quinta-feira, 15 de março de 2018

EXPERIÊNCIAS DE VIDA

O que é a vida se não um leque de experiências que se vai abrindo, à medida que vamos crescendo até envelhecermos?
Muito recentemente este leque abriu-se mais um bocadinho e o que vivi foi de todo uma experiência que não gostaria de repetir.

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De repente estás sozinho, a tua família afasta-se, dá-te um até amanhã através de um beijo, e tu ficas ali numa sala de espera, porque te disseram que ainda não havia nem quarto nem cama. Tudo gente desconhecida. Uns olham-te como se fosses mais um, outros nem isso. Passado uns minutos a palavra tricotomia fez-se ouvir através da voz da enfermeira. Disse que já tinha uma cama, dá-te uma maquineta para as mãos e manda-te para a casa de banho.

- Depois pode vestir o pijama e aguarde aqui para ver se isso ficou bem.

Já no quarto e com uma cama disponível para o internamento, estás pronto. A enfermeira aparece, aplica-te a cânula, 

dá-te umas meias elásticas para te cobrir as pernas todas e uma bata azul de fechar atrás. Minutos depois, chega um maqueiro., diz o teu nome completo em forma de pergunta e tu acenas afirmativamente.

- Deite-se na cama, vamos levá-lo agora para o bloco operatório.

Rapidamente a cama onde estás deitado movimenta-se, empurrada pelas mãos experientes do maqueiro. A enfermeira Ana vem logo ter contigo. O sistema informático está lento e demora a imprimir os respectivos formulários. Uma espera de minutos no corredor e começas logo a sentir a cama em movimento. Estás deitado. Estás aconchegado com cobertores. A viagem começa. Corredores e mais corredores. Portas duplas a abrirem-se. Só te apercebes da velocidade do movimento pelas luzes do tecto, que vão ficando rapidamente para trás. Não conheces ninguém. A única pessoa que conheces é a enfermeira Ana, que acabaste de a ver há duas horas, mas parecias conhecê-la há mais tempo. Paramos. O elevador estava cheio e tivemos que esperar. Passado um minuto as portas abrem-se. As mesmas pessoas continuavam lá dentro. O maqueiro levava as mãos à cabeça, ainda tinha mais duas pessoas para ir buscar. Lá entramos no elevador. Abrem-se as portas, mais um corredor, mais um elevador e um átrio de abóbadas em pedra, depois mais um corredor, mais um elevador e finalmente uma sala onde algumas camas já estão alinhadas. A enfermeira Ana despede-se. Não se foi embora do turno dela sem cumprir a sua missão.

- Boa operação. Vai correr tudo bem! Disse de forma tranquilizadora.

Tu agradeces com um sorriso e ficas ali com algumas pessoas à tua volta, mas sozinho. Não conheces ninguém e no entanto vais ter que confiar naquelas pessoas. São profissionais de saúde. Estão ali todos os dias.

- Olá, sou o seu médico anestesista. 

Disse um homem de meia-idade, com barba e um lenço colorido na cabeça. Trazia umas questões para te fazer. Eram perguntas de rotina para quem vai para um bloco operatório. Aparece um assistente, também ele de lenço colorido atado na cabeça. Tira-te os cobertores e cobre-te com uma manta térmica por sinal bem quente, parecia ter saído de um aquecedor. Foi bom sentires aquele aconchego quente.
Deslocámo-nos para o bloco finalmente.

- Olá, meu nome é Pascoal e vou estar consigo na sala. Dirigiu-se a ti um médico ainda jovem.

Chegamos por fim ao bloco operatório. Passam-te imediatamente para a mesa de operação. Meia dúzia de pessoas fazem-te os preparativos. Uma série de tubos cruzam-se num entrelace em relação à cânula aplicada nas veias da mão esquerda. Falavam de assuntos vários, mas principalmente futebol. O médico anestesista põe-te as mãos na cabeça, protegida por uma touca, e diz-te:

- Agora vamos fechar os olhos e ter bons sonhos, está bem?

A última coisa que vês antes de começares a dormir é o projector de luz por cima de ti, que vai desaparecendo aquando do efeito da anestesia. E as vozes à tua volta vão deixando de se ouvir. O teu corpo estava agora confiado àquelas pessoas que tu não conhecias de lado nenhum, mas que estavam ali apenas por uma razão. Cuidar de ti.
De repente acordas confuso e a tossir como que engasgado. Sentes umas vozes a tranquilizar-te. Ligam-te imediatamente uns tubos de oxigénio ao nariz. Estás já na sala do recobro. Um maqueiro mais uma enfermeira apresentam-se e levam-te de novo para o teu quarto. 

Ali ficas toda a noite, ligado ao oxigénio e a receber soro e outros medicamentos através da cânula. Levas a mão à barriga e sentes os pensos. Pensando que o pior já tinha passado, adormeces tranquilo.
De manhã acordas ou és acordado com o barulho de um dos companheiros de quarto. Estava com dificuldades respiratórias e tentavam aspirar-lhe a expectoração. Tinha 86 anos e estava com pneumonia. O seu corpo, muito magro, não conseguia manter-se de pé. Quanto ao outro companheiro, era um indivíduo na casa dos 70, tinha tido diabetes e estava com as duas pernas amputadas. Não falava muito.

-Olá, bom dia! Cumprimenta-te a enfermeira que vai tratar de ti naquele turno. – O meu nome é Isabel.

Passaram-se dias, noites, com algumas dores persistentes e muita atenção das enfermeiras, que 24 sob 24 horas não te abandonavam. Davam-te banho se fosse necessário, mudavam-te os pensos e estavam sempre atentas às tuas dores, aplicando os analgésicos necessários. A enfermeira Ana, a enfermeira Isabel e a enfermeira Fátima, todas com as suas características distintas de personalidade, estavam ali como profissionais é certo, mas deram-te mais que a frieza de um serviço prestado profissionalmente. Deram-se a elas próprias como pessoas humanas, e isso, parecendo que não, ajuda muito na recuperação de qualquer doente, são verdadeiros anjos da guarda que nos ajudam naquele momento mas que não queremos mais voltar a ver, porque é nestas circunstâncias menos boas que os vemos. e experiências destas, é bom que elas nunca ocorram, ou ocorram o menos possível na vida de cada um de nós, afinal três cirurgias numa leva só, não é fácil.

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